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Opinião Inteligente – nova coluna do blog – compartilhando artigos que li e gostei – clique aqui para ler:

É com muito prazer que informo que a partir do início deste ano, estou inaugurando neste blog o espaço Opinião Inteligente, onde republicarei, com os devidos créditos e autorização de seus autores, textos que li e gostei muito, como o da reflexão abaixo:


O Ritual do Sacrifício Humano na Era da Internet

Ao longo do curso da história, muitas sociedades notoriamente adotaram a prática do sacrifício humano – eventual ou recorrentemente. Em linhas gerais, os rituais compartilhavam o propósito comum de satisfazer os anseios e demandas dos deuses em troca de favores para a comunidade ou, ao menos, parte dela. Fundamentada em crenças primitivas que perduravam através de consecutivas gerações, a tradição do sacrifício humano respaldava-se na ideia de que os seres antropomórficos, antropozoomórficos ou animistas concebidos e adorados como divindades em diferentes culturas exigiam de seus adoradores demonstrações práticas de sua crença, manifestada na forma da mais elevada concessão conhecida: o término da vida de um ser mortal. Através dessa ótica metafísica, acreditavam os representantes religiosos, era possível obter dos deuses favores de outra forma inatingíveis pela sociedade, como uma colheita bem sucedida, vitórias militares, chuvas em períodos de seca, o cessar do inverno rigoroso e outros eventos climáticos, dentre muitos outros restritos a seres com poderes sobre-humanos.

Grupos sociais que se viam como mais evoluídos e civilizados observavam essa prática, em muitas ocasiões, com manifestado repúdio. Relatos históricos de proveniência romana citavam supostos sacrifícios conduzidos por povos bárbaros, como os celtas, com declarada desaprovação. Em justificativa ao massacre no Grande Templo em Tenochtitán, capital do império da Tríplice Aliança asteca, os espanhóis envolvidos no evento reportaram como o estopim de suas ações a tentativa de impedir uma cerimônia de sacrifício comum à cultura e à data comemorativa dos povos locais, condenando – seja por verdadeira desaprovação ou por pura conveniência estratégica – a tradição bárbara que presenciaram no Novo Mundo.

Transportamo-nos agora para o ano de 2023, em uma sociedade edificada na civilização greco-romana e em seus desdobramentos históricos – em particular as culturas ibéricas – situada em um país chamado Brasil. Nesse ponto da história humana o sacrifício cerimonial é tido como traço definitivamente erradicado da estrutura cultural do mundo civilizado. Não seria inconcebível afirmar que a uma amostra majoritária de indivíduos inseridos nesse momento e período histórico essa prática bárbara seja tão inimaginável quanto inaceitável. Será realmente, no entanto, esse o caso? A meu ver, é com grande terror que poderíamos constatar que essa prática abominável – ou pelo menos uma analogia significativamente semelhante adaptada às condições socioculturais de seu tempo – não está de forma alguma extinta e pode ter consequências moralmente devastadoras e irreversíveis.

Esboçando um singelo retrato desse contexto histórico, voltamos nossos olhares ao desdobramento de um boato – quase certamente fabricado e inverídico – propagado através de meios virtuais de comunicação instantânea que conectam em frações de segundo milhões de conterrâneos dessa nação. Boato esse que, sem nos aprofundarmos nos detalhes, se converteu em importunações frequentes, provocações imperiosas e ofensas desleais as quais, por sua vez, se converteram no óbito precoce de uma jovem que viu sua vida desumanamente retorcida e atormentada por uma massificação coletiva de incursões ofensivas ao âmbito de sua vida privada.

Sim, é um fato que a jovem em questão tenha tirado a própria vida e não sido fisicamente sacrificada como era costumeiro em tempos anteriores. Onde, então, encaixa-se nossa analogia entre esses dois acontecimentos separados por séculos de progressões históricas? Seria inconcebível notarmos que, embora a cerimônia coletiva de execução da vítima sacrificial tenha sido há tempos abandonada, uma massa de internautas agindo em copiosa e ressonante sintonia seja capaz de cometer um tipo diferente – modernizado – de sacrifício humano, o assassinato da reputação de uma pessoa física?

Claro, iniciamos nossas considerações ressaltando a natureza religiosa do ritual de sacrifício praticado em sociedades antecedentes. Não acho razoável supor que sua concorrente contemporânea tenha sido conduzida no intuito de satisfazer deuses antropomorfizados em troca de favores divinos. Todavia a atribuição divina não está restrita a figuras com características humanas. Embora seja um dos primeiros a questionar e rechaçar paralelos que visam a equiparar fenômenos impessoais a adorações religiosas, eu mesmo devo, em virtude dos fatos como eles se dispõem, admitir a notável identidade que pode ser proposta na deificação de figuras animadas, humanizadas, e de figuras inanimadas, nominalmente o dinheiro e a popularidade. Esses veículos modernos de adoração, tais quais os deuses de sociedades primitivas, serviram – aos olhos de seus fiéis adoradores – como justificativa suficiente para se transgredir quaisquer limites razoáveis – e, nesse caso em que o alvo dos escárnios e ofensas populares não só é potencialmente proveniente de uma falácia como também inocente (isso é, não contém nenhuma conduta que foge ao padrão socialmente aceitável), limites esses que vedam qualquer tipo de reprovação em função do conteúdo predicado – para satisfazer àqueles que detêm e distribuem o poder divino manifestado na forma de recursos financeiros e de recursos sociais, almejados, quase definitivamente, para a autoglorificação obtida com a conquista aquisitiva desses veículos de poder. Isso não é de maneira alguma uma crítica ao dinheiro e ao destaque (aprovação) social, assim como também não o é à religião. Em minha humilde opinião, os mecanismos monetários de troca de bens e os sistemas de comunicação, econômica e social, são duas das invenções mais importantes de toda a história do nosso planeta.

 Movidas por tramas provavelmente arquitetadas por uma ou mais agência do setor de social media e marketing digital, das quais é regido o fluxo da distribuição de recursos e conteúdos na indústria digital e que são referências na consagração do sucesso nessa mesma indústria, personalidades virtuais investiram-se na propagação desse boato de natureza, no mínimo, questionável e de teor que, a mim, parece completamente infundado (desprovido de motivações correspondentes) para produzir os resultados que marcaram o seu trágico desfecho. Acompanhadas por comunidades de usuários que, em sua maioria, desconhecem o funcionamento dessa indústria lucrativa e competitiva e não concederam a devida credibilidade às trágicas consequências de suas ações, que atuando em conjunto desprovido até mesmo, em muitas ocasiões, de articulação formal, promoveram a deterioração das condições de vida e da sanidade mental de um ser humano – uma garota de 22 anos de idade – a tal ponto em que lidar com o tratamento e julgamento incriminadores tanto de desconhecidos quanto, possivelmente, de conhecidos se tornou tão intolerável que lhe pareceu menos desagradável retirar a própria vida. Provavelmente uma decisão dessas é vista com um sinal de fraqueza por aqueles que desconhecem o verdadeiro peso da situação sobre si, mas é valido citar que uma pessoa em condições de enfermidade física tão igualmente intolerável provavelmente chegaria à mesma conclusão sem receber o mesmo julgamento.

Por fim, a severa obscuridade e sensação de impotência e insignificância oferecidas por essa história me fazem recordar minha introdução ao niilismo, aos doze anos de idade. Estudante de uma instituição católica e de família moderadamente religiosa, naquela época nunca havia tomado conhecimento de nenhuma forma ou pessoa descrente em Deus ou em alguma corrente religiosa, da existência do ateísmo em si. Lembro-me bem de estar em sala de aula, possivelmente em uma aula de Ensino Religioso, e, estando tão acostumado a ouvir sobre a inquestionável e incondicional bondade de Deus, em determinado momento, encontrar-me imerso em uma reflexão sobre uma notícia que havia ouvido no jornal sobre uma mãe solteira que havia sofrido violações inomináveis e sido despejada em um lago local. O confronto entre essa reflexão e a visão de mundo com que fui criado, que se chocaram de tal maneira inconciliável, lançou-me em uma breve epifania de incompreensão e impotência perante a aparente insignificância da existência perante a realidade.

Enfim… Sem mais delongas e sem mais o que dizer, embora haja tanto a completar, esse texto nada mais é do que um ensaio discursivo que se propõe a observar a desagradável similaridade entre as cerimônias de sacrifício religiosas e a cultura do cancelamento e do assassinato de reputação que emergiram dos meios de comunicação do nosso tempo.

*Pablo Henrique Menezes Condé


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Nascido em Belo Horizonte, Mauro Lúcio Condé carrega uma bagagem profissional de muito prestígio. De simples operário, Condé chegou à diretoria da General Eletric e também passou por grandes empresas como EDS e GEVISA, mas consagrou de vez sua carreira no Citibank, do qual foi Diretor Executivo de Qualidade e depois como executivo do Banco Itaú e Telefônica. As mais de quatro décadas de experiências levaram Mauro Condé a abrir sua própria empresa de consultoria e ministrar palestras no Brasil e no mundo.
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