“Quem não é capaz de ser pobre, não é capaz de ser livre.”
A Frase Inspiradora do dia – de Victor Hugo em seu poema Os Miseráveis
Abro essa semana, de forma diferente, com uma bela dica de cultura – dica de um dos melhores livros que já li até hoje que gerou uma das peças de teatro que mais me encantaram na vida :
Leia o Livro : A Boa Alma de Setsuan.
Excelente texto do gênio Bertolt Brecht, obra dos anos 40 que retrata uma história na qual os deuses ficam preocupados com o rumo que está sendo tomado pelos seres humanos na terra, todos eles perdidos em volta de seus valores e crenças pessoais e morais.
Preocupados lá de cima, os deuses resolvem pousar na Terra para conferir com os próprios olhos a atual situação do mundo e ficam perplexos e muito preocupados com o que encontram.
De uma forma bem humorada e não ligada a uma religião específica, os deuses (disfarçados de seres humanos) chegam em Setsuan, pequena província bastante povoada, onde vão logo procurando abrigo para pernoitar e batem de frente com a indiferença e a recusa dos moradores em lhes acolher.
Eles estranham o tamanho do egoísmo que tomou conta da humanidade caracterizado pela incapacidade de compartilhar acolhida com seus semelhantes.
De repente, de forma inesperada, eles recebem um aceno de Chen Tê, uma linda jovem que, para sobreviver, vive como prostituta do local, e gentilmente abre mão de um dia do seu trabalho e cede seus aposentos para que os deuses possam descansar, sem ter ideia de quem são na verdade.
Tamanho gesto de generosidade chama a atenção dos deuses que oferecem à Chen Tê uma fortuna em dinheiro.
Sentindo-se feliz como uma sonhadora que ganhou o prêmio máximo da loteria, a moça larga a profissão e abre um pequeno negócio na cidade, agora abonada pelo dinheiro a que fez jus.
Chen promete para si mesmo mudar de vida para melhor.
Mas, mal ela começa sua nova vida, grandes problemas começam a atravessar o seu caminho.
Se antes ela era mal vista pelo povo da província, agora ela passa a ser a pessoa mais querida e bajulada da cidade.
Todos os moradores, sem exceção, vendo que a moça tinha mudado para muito melhor a sua vida, principalmente no quesito financeiro, passam a assediá-la fortemente, pedindo dinheiro, abrigo, comida e favores intermináveis.
A índole da boa alma de Setsuan não permite que ela negue qualquer pedido e com isso a moça começa a perder os bens que conquistou com sua generosidade, entregando-os de mão beijada para as pessoas que tentam sugar dela tudo o que podem.
Quando se vê no limite, Chen Tê, tem uma ideia luminosa para resolver o seu problema :
Ela inventa um personagem fictício, o primo Chui Tá, para quem delega a administração de seus bens e propriedades.
Na dificuldade de impor limites para sua própria pessoa e levantar muros para evitar o abuso das outras pessoas, a personagem cria um segundo personagem dentro dela – um outro ser humano que tem a devida coragem de ser e de agir conforme a necessidade, impondo limites para que as pessoas não lhe suguem tudo o que conquistou na vida.
Chui Tá tem personalidade oposta à da sua prima e extremamente controlador, sovina e pão duro e não cede um centavo a quem quer que seja, inspirando o sentimento de medo nas pessoas que tentam desestabilizar a prima.
Os dois nunca são vistos juntos, pois na verdade o primo e a prima são a mesma pessoa, idealizada pela ex-prostituta e atual milionária, como forma de estancar o abuso e assédio moral e financeiro da população.
Sempre que o primo entra em cena a prima desaparece e vice-versa.
O primo acaba dominando mais o pedaço e mostrando uma outra face para aqueles que queriam apenas sugar da prima.
Tanto o livro quanto a peça, escancaram com muita força um sentimento humano cada vez mais raro = o amor descompromissado pelo próximo.
Bertolt Brecht questiona até que ponto a bondade deve ser praticada e qual deve ser o comportamento da pessoa que é abusada em todos os sentidos em função de sua excessiva bondade, generosidade e gentileza, principalmente no caso de uma pessoa sem recursos que fica rica e por causa disso passa a ser obrigada a ceder seus ganhos, bens e propriedades para outros egoístas, em nome de sua delicadeza extrema.
Ele questiona se vale ou não ser bom e generoso nos dias de hoje, com tanta gente gananciosa e egoísta ao redor.
A maneira como Brecht encontra para sair dessa armadilha é genial – unir o máximo da bondade com o máximo do pulso firme. Ele alega que uma bondade apenas se sustenta se for praticada de forma bastante firme e às vezes muito dura e cruel.
De nada valem a gentileza e a generosidade quando estas ameaçam a integridade da pessoa que as pratica.
Se abrir mão de tudo o que tem, doando, entregando de mão beijada seus pertences para os gananciosos, o generoso acaba perdendo o seu próprio valor até como pessoa.
Daí a extrema importância da generosidade ser praticada até com uma certa rudeza, para evitar abusos constantes.
Para evitar o erro de estender a mão e ter o braço arrancado pelas outras pessoas, o generoso deve ser bom, mas ao mesmo duro e firme em seus gestos, aprendendo a dizer não quando necessário, descobrindo que não também é uma resposta.
O texto sugere que devemos ser bons, gentis e generosos, mas desde que tal comportamento, não nos comprometa nem coloque em risco aquilo que conquistamos por mérito próprio.
Procure o equilíbrio saudável e não entre naquela máxima de que o mundo é só dos espertos.
Ser bom significa mais do que ter muitos recursos pessoais e abrir mão deles de maneira ingênua.
Ser bom é mais do que isso : é ter compaixão pelo outro e sobre tudo estar disponível para o outro de forma coerente com nossos princípios e valores.
Excelente livro e excelente peça de teatro – tendo oportunidade, eu recomendo que você tente desfrutar de ambos, como forma de colher educação e cultura para se tornar uma pessoa melhor ainda.
Para encerrar esse post de forma ainda mais motivadora, deixo você na companhia de 03 obras de arte :
1-Literária :
Leia o Livro “A Alma Boa De SetSuan de Bertolt Brecht”
2-Visual
Aprecie a bela fotografia de um trecho da peça de Teatro do mesmo nome do livro :
3-Musical
Ouça a música Many Rivers To Cross com Joe Cocker, que inspira bondade, generosidade e gentileza, temas desse post:
Leave a Reply