Naquela noite, meu amigo e eu fomos presos.
Um pouco antes de nossa prisão, eu dirigia meu carro na direção da histórica cidade de Ouro Preto.
Chovia torrencialmente e de repente, após um forte trovão, uma luz branca e intensa tomou conta da rua à minha frente.
Pisei bruscamente no freio, parei o carro e tão logo me refiz do susto, desci um pouco assustado, sem entender o que estava acontecendo.
Para aumentar o mistério, eu percebi que à medida que caminhava, eu via a forte luz diminuir e o cenário em minha volta se transformar estranhamente – as ruas, as casas e as pessoas de repente adquiriram um certo ar retrô. Os postes de luz foram substituídos por enormes lampiões.
Do nada, eu senti meu braço direito ser puxado por um estranho e quando eu olhei, percebi que ele vestia roupas militares de época.
Venha comigo, pois aqui nós dois corremos perigo.
Sem entender nada, eu segui o sujeito até a altura de um bonito casarão localizado numa rua cuja placa rústica indicava se chamar Rua Direita.
Mais a frente, dois cavalos nos aguardavam e enquanto nós os montávamos para sair dali, o estranho me disse:
Eu morei exatamente ali naquele casarão.
– Uau! Que impressionante – falei para ele.
Mas quem é o senhor e por que aquele clarão repentino; e a mudança de época da cidade à medida que eu caminhava; e por que o senhor esta vestido deste jeito, com roupas de época?
Calma, meu rapaz, eu entendo o seu susto, mas você acabou de ser colocado dentro de um túnel do tempo, por causa de um fenômeno raro que transporta pessoas que leem muito e que são muito curiosas para outros períodos da História. Isto acontece com uma parcela mínima da população.
Eu só estava te esperando para seguir minha jornada e para te acompanhar na sua aventura.
A propósito, meu nome é Joaquim. Joaquim José Da Silva Xavier, seu criado, ao seu dispor.
– Tiradentes? Você por acaso é o Tiradentes? Perguntei para ele sem acreditar no que estava ouvindo.
O Joaquim me disse que quando viajamos no tempo e na história, aparelhos modernos que não tenham sido inventados na época não funcionam.
Esta foi a razão que me levou a abandonar meu carro lá atrás.
Ele me disse que eu tinha sido transportado para a Ouro Preto do século XVIII, na época capital de Minas Gerais e chamada de Vila Rica.
E durante a nossa cavalgada para destino desconhecido, ele continuou a sua história, ao som do trote dos cavalos pelas ruas de pedra:
– Morei naquele casarão lá atrás, durante a minha infância com meus pais, até me tornar órfão aos 12 anos quando fui obrigado a me mudar para a casa de um padrinho que morava em São João Del Rei. Ele era o dentista local e foi com ele que aprendi a minha primeira profissão. Quando fiz 25 anos, eu me alistei na tropa da Cavalaria da Capitania de Minas Gerais, para ser um fiscal de estrada responsável pela rota de escoamento da produção de ouro e minério de ferro até o Rio de Janeiro. Foi lá onde tive contato com meus amigos de cavalaria com as primeiras ideias de liberdade. Depois, decidi sair da Cavalaria onde não consegui fazer a carreira que eu desejava, após atingir o posto de Alferez. Em seguida, eu me mudei para o Rio de Janeiro e acabei voltando para Minas algum tempo depois. Aqui em Vila Rica eu me associei a um grupo de intelectuais importantes e neste momento, nós dois estamos indo para uma reunião secreta com eles. Você precisa me acompanhar, é a única maneira de você sair vivo desta aventura, enquanto vive e presencia a história. Este grupo de intelectuais tem poetas famosos, advogados importantes e até religiosos de alta patente. É com eles que vamos falar.
Joaquim então retirou de sua algibeira, uma pequena garrafa contendo aguardente fabricada numa Fazenda próxima, chamada de Fazenda do Pombal e pertencente a sua família.
Quando ele foi colocar a pequena garrafa na boca, um tiro a atingiu jogando-a longe.
Joaquim gritou:
Esconda-se, estamos sendo atacados por algum inimigo.
Assustado, pulei do cavalo e me escondi atrás de um barril colocado estrategicamente na entrada de uma das tabernas daquela rua estreita e mal iluminada.
Pensando estar bem escondido, tentei observar melhor o que estava acontecendo, até que avistei dois sujeitos que duelavam com suas armas, quando um deles ficou sem munição.
O outro, sentindo-se vencedor do duelo, mirou sua arma para o derrotado e gritou para ele dizendo que aquele era é o seu dia de sorte, que não iria matá-lo, apenas aplicar-lhe um susto como lição para nunca mais mexer com ele.
Disse isto e virou sua arma para atirar no barril, atrás do qual eu me escondia, sem saber que eu estava lá. O tiro passou de raspão pela minha cabeça e eu senti meu cabelo com um forte cheiro de pólvora.
Depois daquilo os dois saíram correndo em direções opostas.
Joaquim ordenou que eu montasse rapidamente no cavalo e o seguisse.
– Puxa Joaquim, que susto, quem eram aqueles sujeitos e porque eles duelavam?
Não os conheço, mas aqui em Vila Rica precisamos ter muito cuidado nas ruas.
Pegamos nossos cavalos, cavalgamos mais alguns quilômetros e paramos em frente a um grande casarão de propriedade do Padre Toledo, que por ser considerado insuspeito, abrigava reuniões secretas dos Inconfidentes cada vez mais visadas.
Lá dentro, fomos recebidos por várias pessoas que se reuniam à luz de velas em torno de uma enorme mesa redonda onde eram servidas aguardentes da Fazendo do Pombal e pratos a base de feijão tropeiro, couve, ovo e linguiça.
Eu fui apresentado aos Inconfidentes pelo Joaquim como alguém confiável que estava ali para registrar um momento histórico.
Logo de cara, ele me apresentou a dois famosos advogados que estavam no fundo da sala, um era o famoso Cláudio Manoel da Costa, homem de muitas letras, formado em Coimbra e iluminista por convicção e o outro o controverso Alvarenga Peixoto.
Eu me sentei ao lado de um famoso poeta da época, o Tomás Antônio Gonzaga que foi logo me presenteando com seu livro – “Marília de Dirceu”, anos depois considerado como o mais belo e célebre poema de amor da língua portuguesa.
Eu fiquei ali, ouvindo aquelas pessoas muitos inteligentes, esclarecidas, observando cada detalhe do figurino das roupas, dos móveis, da forma de falar daquelas pessoas cinematograficamente iluminadas pela luz de enormes velas.
Elas discutiam de tudo, desde influências externas, principalmente as francesas, fatores mundiais e até religiosos.
A conversa esquentou quando eles se debruçaram em cima do tema da Derrama – uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos, incluindo a prisão dos descontentes e sonegadores.
Joaquim pediu a palavra e argumentou que o imposto devido ao Rei de Portugal, aumentava dia a dia, oprimindo e desesperando o povo, que já não sabia mais onde tirar mais ouro para atender a Derrama.
As leituras de Rousseau e Voltaire iluminavam o debate entre os Inconfidentes.
– Liberdade, Liberdade, ainda que tardia!
Bradou Joaquim erguendo uma caneca como brinde à causa.
Eu percebi que ali estava reunida a nata da elite de Vila Rica, num processo de articulação política para tentar diminuir os excessos da Coroa, mas a falta de consenso e a existência de interesses conflitantes entre eles acabariam impedindo que eles fossem mais adiante.
Entre todos os presentes, um deles me parecia estranho e olhava para os Inconfidentes, principalmente para o Joaquim, com um olhar estranho e suspeito enquanto calado fazia anotações em um pequeno bloco de papel. Era outro Joaquim, o Silvério dos Reis, que saiu bem antes da reunião terminar.
Naquela noite, meu amigo e eu fomos presos.
Presos por defender uma causa nobre: a Liberdade, ainda que tardia!
Então eu vi pela pequena janela da pequena cadeia aquela forte luz branca seguida de um estrondo enorme.
Fechei os olhos e tapei os ouvidos e quando os abri, vi que estava deitado na cama de um grande hotel de Ouro Preto, segurando um livro sobre as ideias de liberdade dos Inconfidentes.
Eu tinha acabado de ter o meu sonho de Liberdade.
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