“Ressentimento é como tomar veneno e
esperar que a outra pessoa morra”
Frase de Shakespeare
Malucando pela internet, encontrei esta palestra muito interessante sobre o tema Ressentimento Psicológico. Veja abaixo um resumo desta palestra que eu li num blog que eu gosto muito – o blog do Nicholas Gimenes :
“Como afeto declarado, o ressentimento é mal visto, tem um sinal moral negativo, alguém que não vai para frente, é amargo, rancoroso.
Ninguém gosta de ser reconhecido (e se reconhecer) como ressentido.
Mas como afeto camuflado, quando aparece como uma queixa de alguém vitimado, pessoa muito sensível, e por causa disso os outros passam por cima, deixam de lado – nesse caso é visto com muita complacência, até como um sinal positivo. O ressentido como “Alma Nobre”.
O ressentimento é na verdade uma constelação de afetos, que envolve: mágoa, raiva, inveja, desejo de vingança reprimido.
Personagens ressentidos (não declaradamente) que aparecem na literatura, teatro, cinema – são percebidos pelo público como tendo alma nobre, moralmente superiores.
O ressentimento é um sofrimento que faz emergir o pior de nós e ainda assim pode ter um revestimento positivo, no sentido narcísico.
O ressentimento é uma mágoa que não se supera. A mágoa comum, a gente sofre e supera, seja perdoando, se vingando ou porque se torna irrelevante.
A mágoa do ressentido ele não quer esquecer, tem algum gosto/ganho em relembrar, um interesse na manutenção dessa queixa, sempre está acusando algum outro, sem refletir sobre sua responsabilidade no ocorrido.
Geralmente, queremos nos esquecer/nos livrar do que nos faz sofrer e não manter indefinidamente.
Temos que pensar: qual a função dessa mágoa mantida viva?
– Prazer em acusar (“Outro é mau, eu sou bom”)
– Deixar o desejo de vingança embutido (“ressentido se vê como vítima e moralmente superior)
– Preservar o narcisismo (amor ao eu, “não fiz nada de errado”)
– Jogar a culpa no outro (se isenta da própria responsabilidade)
Porque o ressentimento é característico da modernidade? Porque vivemos em uma Sociedade Narcísica, cada um tenta atender esse ideal de ser alguém muito especial, predestinado a não sofre, ser feliz, melhor que os outros; e também individualista, de ser alguém que se faça por si, sem depender de ninguém – o que já é uma falácia.
A falácia do individualismo: somos sempre dependentes de relações com os outros. Mas apagamos isso, como se pudéssemos fazer nosso caminho sem nenhuma dívida/herança com nossos antepassados nem dependência das outras pessoas. Essa proposta individualista é fadada ao fracasso.
Mesmo quem se acha self-made (feito por si) está sendo ingrato por não considerar a rede social que o permitiu ascender além dos outros.
O ressentido moderno, preserva o ideal individualista e se fracassa, coloca a culpa no outro. A imagem que faz de si fica preservada.
Se o ressentido se julga moralmente superior, não consegue se defender, por meio da agressividade (não destrutividade, mas pulsão de vida) e então cria-se um anseio de vingança na fantasia, vingança imaginária e adiada.
O ressentido espera com as queixas repetidas que o acusado se sinta culpado, nem que seja no juízo final, sem que o ressentido se sinta implicado de fato nessa vingança.
A vontade de vingança é humano, principalmente quando somos mesmo prejudicados. Não que precisemos ser malignos e traiçoeiros. Mas quando a vingança vem por obra do acaso, é uma delícia. Porém, a suposta pureza do ressentido não permite que se veja na vingança, só quer justiça, de preferência “divina”.
Um grupo social que se revolta, contra uma injustiça ou opressão, não é ressentido.
A revolta pretende mudar a condição da opressão; não se queixar, acusar outro, se eximir da responsabilidade, esperar uma vingança divina ou remorso para o acusado.
O ressentimento é o avesso da ação política: não estou agindo para mudar nada, só quero ser visto como vítima.
A revolta é ativa, o ressentimento é passivo. A passividade do ressentido remete a uma criança que espera que os pais cuidem dela. “Não sou eu que tenho que cuidar de mim”. Há uma infantilização aí.
O que produz o ressentimento não é a revolta, mas a submissão voluntária, que permitiu a injustiça.
A derrota em uma luta não gera ressentimento, apenas uma recomposição das forças para voltar a lutar. As mães dos desaparecidos na ditadura não são ressentidas, são lutadoras, tem uma revindicação ativa e clara, obter o desagravo.
Na modernidade, um fator para o ressentimento é a promessa (não realizada) de igualdade, gerando a expectativa de que isso se cumpra por si só, ao invés de se lutar por isso.
O impulso agressivo que seria saudável diante de uma ofensa, se não se exerce por covardia ou excesso de pluridos morais, volta-se contra o sujeito.
O ressentimento produz um envenenamento psicológico, uma ruminação da mágoa, raiva, inveja – o ser que se acha “bom” vai se confundindo com um ser maléfico, porque só abriga maus sentimentos.
O ressentimento é uma submissão voluntária, que para não ser reconhecida, se transforma em acusação permanente a um outro.
Não é a vingança tardia e isenta de responsabilidade a saída para o ressentimento, mas a luta/defesa imediata. A fera presa por um caçador que tenta mordê-lo enquanto capturada não está se vingando, está se defendendo.
O excesso de rememoramento da mágoa no ressentido encobre o evitamento de lembrar de que na origem foi covarde, ou não lutou, se submeteu voluntariamente – então, sempre que isso é ativado na memória, acusa o outro.
Porque tantos indivíduos e grupos se submetem voluntariamente à opressão e depois se ressentem? Porque classes dominadas introjetam valores da classe dominante?
Wilhelm Reich – O estranho não é explorados se revoltarem, mas sim entender porque não se revoltam.
As classes dominadas, com os valores da classe dominante, se submetem e esperam reconhecimento, que não vem, e se torna ressentimento.
Segundo Nietzsche, o cristianismo valoriza a humildade e submissão, e o Estado promete proteção, desde que os cidadãos abdiquem de sua autonomia e se submetam. Cria-se uma sociedade de homens que acha que ser fraco, humilde, submisso, é ser bom – o contrário, é mau. Esta é uma moral escrava, que pune os fortes.
Para Nietsche, forte é quem tem vitalidade e não recua em colocá-la em ação, para o seu prazer e expansão da vida. Vida quer mais vida. – não ser um carrasco de outro.
O forte e o fraco (escravo) coexistem dentro de nós. Você pode apostar na força, lutar, se arriscar a perder e se decepcionar. Apostar na fraqueza possibilita ser um sujeito que “potencialmente” seria maravilhoso, mas não deram chance, se safa narcísicamente e mantém sua ilusão.
Quem se coloca como fraco/escravo, espera de um Outro a proteção e o reconhecimento, não abre mão da sua dependência a: outro indivíduo, um Deus, uma autoridade. Freud sinaliza que isso é uma versão da posição da criança frente aos pais, na vida adulta.
O ressentimento permite ao ressentido se reconhecer como vítima isenta de responsabilidade, ao invés de derrotado.
Qual é a demanda do ressentido? Não espera se fortalecer, reivindica que o forte deixe de ser forte.
Freud fala da covardia moral do neurótico, apegado a situação de perfeição do bebê para seus pais, e se submete ao superego (instância internalizada da moral dos pais), abrindo mão do seu desejo, tentando recuperar essa posição inicial.
Se a fantasia de perfeição da criança dos pais continua, a criança começa a acreditar, um grande destino sem ter que fazer nada por isso, e ficar fixada nesse prazer de ser potencial de alguma coisa, mas que não se realiza. Porque efetivar seu potencial, irá ter que se pôr à prova. É bom ser um gênio da música sem compor nenhuma, mas depois de compor é que veremos se é um gênio da música mesmo.
O povo brasileiro é ressentido? Buscamos corresponder essa imagem de alegres, cordiais, que os estrangeiros tem de nós?
O brasileiro tem uma imagem de alegre, festivo, que perdoa, não guarda mágoa.
No ressentimento um excesso de memória, no entanto, há agravos que precisam ser lembrados e reparados.
Essa falta de reparação das injustiças camufla e predispõe ao ressentimento.”
Ótimo texto! deveria ser mais divulgado. Parabéns!
Obrigado!